A VERDADE MUTILADA

A VERDADE MUTILADA

     “A vida é a vida e vamos gozá-la. Depois, logo vemos!” As coisa poderiam ser realmente assim, tal como escreve o comodista do dia a dia e o materialista prático, em todos os cantos do mundo. Esta descrição é satisfatória, não levanta preocupações a ninguém, não perturba, enquanto as pessoas se entontecem e se esgotam com a sua sobrevivência quotidiana, mais ou menos acordados, mais ou menos adormecidos.

 

    Porém, todas as civilizações e culturas que nos antecederam sabiam que não era assim: para lá de Deus e da esfera da sua Bondade havia forças maléficas. As sociedades mais rudimentares chegaram à pretensão de lidar com o mal e solicitar a proteção do bem e as mais desenvolvidas organizaram cultos e escolheram sacerdotes. A linha histórica que reconhece a existência de seres invisíveis poderosos não tem interrupção desde os alvores da humanidade. As cultura inventariadas pela Arqueologia e os povos estudados pela Antropologia não se afastam desta tendência: sabem que há o visível e o invisível. Muitos até cultuaram os deuses maléficos e fizeram estátuas a demónios perversos na secreta esperança de obter a sua proteção, sacrificando-lhes ritualmente seres humanos. Mas a grande massa das sociedades afastou-se dos portes do mal e arranjou pessoas para afastar as hostes do mal, visíveis e invisíveis.

 

    Contra toda esta orientação milenária, os séculos XIX, XX e XXI, fiando-se num saber inseguro saído das ciências “exatas”, estendeu um manto de desprezo e de ridículo sobre o invisível e as forças do mal, proclamando que só existe o homem e os fantasmas da sua imaginação. Disso é exemplo a linha definida pelo Padre dominicano Gérest, que escreveu: “já é tempo da igreja começar a considerar os fiéis como adultos e deixar de lhes contar histórias da carochinha para crianças de cinco anos. Satanás não existe, não pode existir, a não ser como criação da imaginação do homem”. Neste tempo especial de iluminados, deuses e demónios podem ser enterrados, feiticeiros e bruxas podem ser despedidos, porque o laboratório cientifico é suficiente. Os Templos podem ser fechados, porque os homens hão-de encontrar-se numa fraternidade ou amizade maiores e aniquilar o “seu” mal pelas suas próprias mãos e com os seus próprios meios. Porque o mal é uma criação humana e deriva exclusivamente das ações humanas.

 

    Esta cegueira é otimista. Continua a pôr de lado o fundamental: ou seja: a existência de um agente do mal, um ser pessoal, poderoso, doentio e inteligente, dotado de vontade própria e de larga capacidade de ação e mobilização de outras forças, que de longe supera a pior imaginação humana. Este ser foi conhecido de diversas culturas antigas, com diversos nomes e com diversas formas. Umas adoraram-no, outras temiam-no e outras exorcizavam-no. O que hoje se sabe a mais foi revelado diretamente por Cristo, um ensinamento transmitido pelos Apóstolos e rubricado pelo Mestre com milagres. Místicos e grandes almas carismáticas de todas as épocas puderam dar elementos capazes de completar ainda a figura desta entidade. E o retrato foi ganhando contorno com o relato de exorcistas experimentados, a ponto de se poder identificar, com toda a segurança, a marca que inscreveu sobre o mundo dos homens: sofrimento, horror sem paralelo, ódio e desavença. A terra queimada no terreno e nas almas.